quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Eu me traduzo nas entrelinhas

"Um homem jamais pode entender o tipo de solidão que uma mulher experimenta. Um homem se deita sobre o útero da mulher apenas para se fortalecer, ele se nutre desta fusão, se ergue e vai ao mundo, a seu trabalho, a sua batalha, sua arte. Ele não é solitário. Ele é ocupado. A memória de nadar no líquido aminótico lhe dá energia, completude.

A mulher pode ser ocupada também, mas ela se sente vazia. Sensualidade para ela não é apenas uma onda de prazer em que ela se banhou, uma carga elétrica de prazer no contato com outra. Quando o homem se deita sobre o útero dela, ela é preenchida, cada ato de amor, ter o homem dentro dela, um ato de nascer e renascer, carregar uma criança e carregar um homem.

Toda vez que o homem deita em seu útero se renova no desejo de agir, de ser. Mas para uma mulher, o climax não é o nascimento, mas o momento em que o homem descansa dentro dela". Anais Nin

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Embotada de Mim

Foto: Paula Lyn
Houve um tempo que eu temia a escuridão. Aprisionava a louca nos palácios obscuros de mim. Ela cantava, nua, canções de cabaré. Vestido vermelho, flor no cabelo, bailava no vento da fresta dos meus pensamentos. Eu sentia medo de sua vida pulsante, da carne flamejante de um recém nascido quente em um mundo gelado.

Ela é a luz, a escuridão, a polaridade sem controle, a mudança sem aviso. Ela pulsa no meu ventre e chora por não ser ouvida. Ela sou eu. Ela é a parte mais louca de mim. Ela é a atriz, a puta, a artista, aquele modo de ver a vida com cores demasiadamente embotada de tinta.

Abri os palácios da minha mente e a libertei. Ela me fez chorar mostrando por quanto tempo a escondi para ser uma faceta de mim. Ela me abraçou, beijou minha boca profundamente e mordeu a minha língua. Me fez sangrar, tingiu a minha vida de carmim. Eu me perdi para me encontrar.

Como é bom ser eu, irremediavelmente eu. Com minhas luzes e sombras, com meus descontroles, com minha maneira de viver. Com ela aprendi a cantar para ser ouvida e quando tudo falhar, mostrar os seios e girar na sala vazia.

Com ela aprendi a defender o meu tempo, o meu eu, o meu ela, meu elo com uni-verso, meus nós, meus laços com o acaso. Eu tranquei a mãe que escolheu a hora da minha estréia, sem soar os três gongos. Amarrei suas mãos para que não mais me puxe os pés, com as mãos frias. Ela trancada, me liberto.

Danço comigo, fazemos amor com o tempo e mergulhamos no sentimento. Somos inteira: eu e ela. Eu. Estou plena de ser embotada de mim. 

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Poeira ao vento


Passos apressados pela floresta escura. Era noite e os pés descalços exibiam feridas da caminhada íngreme para dentro mim mesma. O sangue carmim molhava a terra e em cada passada flores espinhentas e cheirosas traçavam o labirinto.

Recordo os momentos em que apenas desabei de cara no chão, com a boca próxima do solo a sugar a seiva da terra que me faltava. Não sei quantas vezes procurei por mãos estendidas e encontrei força de não sei onde para continuar a jornada fria, em que as gotas de chuva e suor me abriam pétala por pétala. Em nenhum outro momento me senti tão desprotegida e unida ao todo, nas sombras e luzes.


No meu castelo interno quebrei todas as paredes. Estava cansada dos pilares antigos e mofados que sustentavam a insustentabilidade da eterna mutação. Construí meu palácio com ladrilhos de terra, teto de estrelas e paredes de vento. Minha casa agora muda com as estações, é fria, seca e brilhante como o inverno, despenca como as folhas de outono, resplandece no verão e floresce na primavera.

A chuva fora tão forte que me deixou munida apenas de espinhos, que pensava serem mais fortes que garras de tigres e descobri que apenas espetam rasos sentimentos. Mas sangram por dentro, sangram para fora. E o carminal pigmento dá novo sentido a vida. A jornada está ao fim. Pelo menos esta trilha, pelo menos neste labirinto. Sim, ainda quero dividir o mesmo barco e lanço os remos ao leões. Por enquanto continuo a seguir esta viagem controlando as marés, os ventos e as brumas, abrindo portais na jornada.

Eu serei sempre aquela que dança com aquilo que não se pode ver e sentir. Mas, entro na galeria antiga e escolho uma roupa colorida para brincar de viver por aqui, até que chegue a hora da minha partida. No final desta escalada, meus pés e mãos se nutrem da certeza da paisagem que avistarei lá de cima. Apesar da dor, apesar do cansaço, estou lá, inteiramente aos cacos. Fragmentos que misturam velhos e novos padrões lançados no tubo que se move e nunca se repete do caleidoscópio divinal.

Posso ver minha jornada e as flores que cultivei nos meus passos. De cima festejo a coragem de ter mudado a rota e traçado um novo labirinto, mais profundo e escuro, que me deu asas para eu chegar e voar como as areias do vento que escapam da mão do menino.