quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Dentes de menino



O menino sorri. Sorri com os olhos e com os lábios. Lá dentro da boca quente, dentes. Outrora juntos, unidos. Como se prometeram: de mãos dadas, casados pela vida.

Mas dentro da boca quente vai passando comida. Passa vento e pensamentos, cai de boca e eles se abalam. Sangra o fluido da vida. Escurece o esmalte e a dentina, mas com o tempo a sombra é  reabsorvida e parece que tudo termina.


Surge uma fenda pequenina. Um espaço? Um respiro? Ainda estica-se o braço e encontram-se ali pertinho, em reencontros e despedidas. Passa mais vento, mais pensamentos, entretantos e todavia. 


A fenda se abre e por mais que se estique os braços, os dedos não se tocam. Não há mais mãos dadas só vazias.


Não são as palavras que fazem os dentes se separem, mas as batidas dos corações em descompasso. Não há bailes, só marcha. Não há sonhos, só cobranças. E os rótulos estão colados por toda a parte. 


As nádegas que se encontram enquanto as caras se viram. Bundas que se olham, mas não se tocam.


A fenda agora é nítida. Pensa-se em correções. Será que um aparelho uniria os dentes novamente? Os demais empurrariam para perto por mais dias? 


A fenda se apresenta como constatação ferrenha: de que quando o espaço vira abismo, quando os braços não se enlaçam, as mãos já não se alcançam, o mais sensato é balançá-las, dizer adeus, enquanto ainda há sorriso a ser desprendido.


O menino sorri de boca fechada. Um sorriso lindo de quem não quer mostrar a lacuna de sua alma ferida.