Foto: Kalu Brum
Por quinze anos vivi espremido, ao lado de Oswald de Andrade, Clarice Lispector, Machado de Assis. Naquele dia, no início de 1997, uma mão longa, de unhas compridas e pintadas de esmalte claro, como de uma noiva, retiraram-me de lá, com grande esforço de pés equilibrados nas pontas dos dedos, apoiados em cima de uma escada de metal que fazia sons engraçados.
- É esse! Se ele é músico certamente irá gostar.
Mal sabia ela que apesar de contar a história de Villa Lobos, um grande músico brasileiro, apresentava apenas informações históricas vazias e sem poesia. Saí daquela casa pequena burguesa, com mais de 30 anos de existência, reformada inúmera vezes, mas que mantinha um piso marrom castor com flores bege de gosto bastante duvidoso.
Fui carregado perto do coração, ouvindo um compasso acelerado que certamente inspiraria o próprio Villa Lobos a criar uma composição ainda mais marcante que o próprio Guarani. Naquele momento, a mente daquelas mãos imaginava uma infinidade de possibilidades românticas capaz de deixar pasmo José de Alencar com seu Romance entre Peri e Ceci.
Era a primeira vez que aquele canário belga, criado em uma gaiola de ilusões, experimentava o vôo solitário para dentro de uma floresta desconhecida dos sentimentos intensos, confusos, imprescindíveis e contraditórios que faziam o sangue borbulhar a uma temperatura quente que chegava a causar calafrios e o estômago sentir um vazio que era capaz de fagocitar-se.
As mãos quadradas, de unhas roídas, claras e um coração com andamento mais harmônico, receberiam naquele dia, este que traz estas memórias que vão além da minha capa verde oliva.
Permaneci no banco ao lado, daquele lugar escuro, com uma tela gigantesca, a contar, com imagem e som, a história de personagens bem menos célebres que aqueles que me comprimiram por anos na prateleira.
As mãos finas, de dedos longos e unhas alvas como de noiva, foram tocadas de leve por aquela quadrada de unhas roídas, fazendo aquele coração de canário cantar em um andamento descompassado e frenético.
Foi então que permaneci escondido em uma prateleira, representando aquela sinfonia que nunca foi tocada. Como se, por obra do destino, Peri nunca tivera encontrado Ceci. Agora estava soterrado entre obras de psicologia e teorias políticas.
Aqui fui colocado, quero dizer, quase lançado com desdém, após uma conversa que fez a orquestra interromper, sem nunca começar:
- Você é um diamante bruto, disse o dono das unhas roídas. Mas eu não estou em tempo de lapidar-te. Por favor, não me procure mais.
Ele ainda não se sentia preparado para entrar no navio voador, deixar a Terra do Nunca e os meninos perdidos, para viver pressionado pelo crocodilo do tempo que avassala os romances.
Ela, por sua vez, fora lançada na cachoeira abaixo, batendo contra pedras de um caudaloso rio. Sem saber, as pedras a lapidaram esculpindo um desenho único de uma beleza bruta e delicada.
Doze anos depois, as mãos outrora com unhas roídas, hoje rentes e cortadas, com linhas da palma bem marcadas, retiraram-me dali e me folhearam como quem tenta tocar uma antiga canção nunca inventada.
- Está na hora de você ser devolvido.
Carregado debaixo dos braços, segurado com certa apreensão, vi de longe surgir aquele canto de canário.
- Isso lhe pertence.
Aquelas mãos, outrora de unhas longas e compridas, pintadas como de noiva, agora com garras de felina, de unhas vermelhas, me seguraram com força e sorriso. Mas pude escutar aquela melodia cardíaca inesquecível. Na outra mão havia um novo símbolo, um querido poeta chamado Rubem Alves, amante de Villa Lobos e outros músicos que fazem dançar a alma.
Das mãos longas e finas, Rubem passou para a mão quadrada. Por minha pouca qualidade literária, fui esquecido no banco daquela praça, depois de ouvir deliciosas risadas curativas a servirem como base melodiosa de uma nova sinfonia.
Esta história agora não posso mais contar. Quem sabe Rubem possa terminar este conto, ou quem sabe, aumentar um ponto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário