terça-feira, 15 de junho de 2010

Denaneios

E de tão apertada começo a sentir a energia se dissipar. Célula por célula se desagrega fazendo ventar minha alma, que balança de lá para cá e se desintegra. A névoa fria percorre meu ser, domina cada núcleo celular implodindo as pontes de hidrogênio. Sinto o frio do corpo sem limite, do feto sem colo entregue ao berço gélido. Encolho-me toda tentando reintegrar alguma coisa que não tenha se partido nos mil cacos lançados para o universo.

Busco em algum lugar uma voz, uma luz, um afago por entre os cabelos escurecidos. Sinto tremer a solidão soterrada que me fazia criar mil jogos para me sentir nas alturas, nos palcos mais luminosos. Olho a purulenta ferida que sangra um líquido negro e fétido. Sinto nojo, sinto medo de ser também aquela escuridão viscosa. Caminho pisando em um chão que segura meus pés e me suga para dentro. Eu tento segurar em um pequeno ramo verde, com toda a força do meu ser. Nada vejo senão um oceano escuro, lamacento em uma noite de lua nova.

Quando não me resta forças de vida, abraço tânatos. Sinto que a noite fria me engole e me beija com dentes pontudos que me dilaceram. Eu não sinto mais dor. Eu não sinto mais nada que tenha nome ou que possa suportar combinações de letras. Deito em uma superfície macia de células quentes. Tudo pulsa em uma batida de vida. Sinto calor dos meus pés, um abraço carinhoso. A luz volta em melodia. Eu escuto o chamado e agora posso voltar para meu ninho. Me enrolo como uma samambaia e em espiralantes passos volto para casa. Lá está o bebê no berço debaixo de uma janela aberta, de um ensolarado dia de julho. Fecho a janela. Visto a menina com a roupa da minha carne. Ela lança os braços para o ar como quem clama sem palavra por meu colo e me olha fundo nos olhos. Negros olhos vividos. O choro cessa. Dou-lhe o seio e acaricio sua face transfigurada pelo medo e solidão. Vejo surgir um breve sorriso de quem redescobre seu lugar e agora pode brincar de viver.

Olho tão de perto estes olhos que mergulho para dentro deles. Agora somos um novamente. Caminho repleta de vida, redonda como a lua cheia abrigando uma nova instancia de mim, sabendo que haverá novamente o momento do parto em que poderei abraçá-la com a força das entranhas, dar-lhe meus seios fartos de ternura, embalá-la nas melodias de luz e ver crescer nos campos floridos um menina de asas nos pés.

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